A professora, pesquisadora e advogada popular Ludmila Cerqueira Correia é uma militante convicta da luta antimanicomial, engajada também nos grandes debates nacionais e internacionais acerca da Reforma Psiquiátrica e defensora que a Política Nacional de Saúde Mental – implantada a partir das reivindicações dos diversos segmentos do Movimento Antimanicomial e das experiências exitosas em alguns estados – ganhe repercussão nos municípios brasileiros, ela gentilmente concedeu entrevista ao Diário Conquistense, ao qual esclareceu, entre outras coisas, o fundamental papel dos gestores e gestoras municipais para implantação e implementação das políticas de saúde mental, sempre em diálogo com as demandas dos usuários dos serviços e seus familiares. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília, no qual integra o Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua (UnB), Ludmila é professora-adjunta na Universidade Federal da Paraíba, onde desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão, coordena o Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania e é pesquisadora do Grupo de Pesquisa Saúde Mental e Direitos Humanos (UFPB).
Abaixo, a íntegra da entrevista com a pesquisadora e militante da luta antimanicomial Ludmila Correia:
DIÁRIO CONQUISTENSE: Com o advento de novas legislaturas e gestões municipais Brasil afora, que tipo de recomendação ou aconselhamento você daria a esses gestores e parlamentares para uma política de saúde mental?
LUDMILA CORREIA: No Brasil, a Política Nacional de Saúde Mental, implantada a partir das reivindicações dos diversos segmentos do Movimento Antimanicomial e das experiências exitosas em alguns estados, já traz diversas diretrizes para a atenção e cuidado em saúde mental. Assim, é importante que gestores e parlamentares concretizem tais diretrizes em politicas públicas de saúde mental, criando (onde ainda não existem) e fortalecendo os serviços substitutivos de saúde mental, configurados na Rede de Atenção Psicossocial, ou seja, avançando para que o cuidado e tratamento sejam realizados em liberdade. O papel dos municípios é fundamental, juntamente com a participação da sociedade civil, uma vez que a implantação e implementação das políticas de saúde mental estão sob a sua responsabilidade. Nesse sentido, é importante que os gestores e gestoras consigam dialogar com as demandas dos usuários dos serviços e seus familiares, garantindo a sua participação nos mecanismos já existentes, como os conselhos municipais de saúde, e criar os dispositivos adequados à realidade local. Além disso, uma atuação qualificada nessa área exige a ação intersetorial, conjugando ações que envolvam as áreas da saúde, assistência social, educação, trabalho, economia solidária, lazer, habitação, dentre outras, compreendendo a indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos desse grupo social, historicamente invisibilizado e excluído.
DIÁRIO: Há alguma experiência que você conheça no Brasil que sirva de modelo aos demais gestores. São experiências aplicáveis a quaisquer realidades?
LC: Inicialmente, cabe destacar que não acredito em “modelos”, acredito em experiências exitosas que merecem ser observadas e discutidas para a possível implantação em realidades diversas. Me explico: um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) com um bom funcionamento/atendimento na Bahia pode não ser o melhor parâmetro para um CAPS em um estado do Norte do Brasil, uma vez que cada estado e região tem suas peculiaridades. Acredito que as boas experiências existentes hoje no Brasil estão vinculadas à concretização dos princípios e diretrizes da Reforma Psiquiátrica, ou seja, a uma clínica antimanicomial, que tenha como norte a garantia dos direitos dos usuários dos serviços de saúde mental. Em Minas Gerais, a maioria dos CERSAMs (Centros de Referência em Saúde Mental) funcionam 24 horas por dia, no município de Belo Horizonte, oferecendo atenção integral em saúde mental, e além disso, há diversos Centros de Convivência, que oferecem oficinas de teatro, pintura, música etc para os usuários e a comunidade local. No mesmo estado, o PAI-PJ (Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário) há mais de quinze anos realiza o acompanhamento de pessoas em sofrimento mental que cometeram crimes, demonstrando outra forma de cuidado com esse público que, em regra, fica segregado nos Hospitais de Custódia e Tratamento do país. Na Bahia, a AMEA (Associação Metamorfose Ambulante de Usuários e Familiares do Sistema de Saúde Mental da Bahia) realiza o controle social das políticas de saúde mental, seja participando de caravanas nacionais de fiscalização de instituições de saúde mental, como hospitais e clínicas psiquiátricas, seja participando do Conselho Municipal e do Conselho Estadual de Saúde, incidindo, assim, na formulação e deliberação de políticas públicas nessa área, ou ainda promovendo a informação sobre direitos nessa área com o Guia de Direitos Humanos Loucura Cidadã.
DIÁRIO: Você tem militado na área do Direito buscando demonstrar os direitos das pessoas portadores de doença mental . Como tem sido este trabalho e quais os resultados?
LC: O Direito é mais uma das áreas que integram as dimensões da Reforma Psiquiátrica, com destaque para a da mobilização político-jurídica. Vale dizer que as pessoas em sofrimento mental constituem um grupo subalternizado e que somente há alguns anos vêm tendo reconhecidos os seus direitos como qualquer outro cidadão, sobretudo a partir da mobilização do Movimento da Luta Antimanicomial, de Associações de Usuários e Familiares em todo o Brasil e do marco legal da Reforma Psiquiátrica, a Lei 10.216/2001. A condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Damião Ximenes no ano de 2006 também impulsionou as mudanças em torno da garantia de direitos das pessoas em sofrimento mental no país. É importante destacar que ao longo das últimas décadas percebemos uma certa transição de um período com o predomínio de denúncias de violações de direitos desse grupo social para um período com o exercício de direitos. Nos últimos quinze anos temos observado novos mecanismos de garantia de direitos no campo da saúde mental, seja em iniciativas da sociedade civil ou do Estado, e, mais recentemente o Brasil adotou o Quality Rights, um kit de ferramentas para avaliar e melhorar a qualidade e os direitos humanos em serviços de saúde mental e de assistência social, elaborado pela Organização Mundial de Saúde, com base na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Ademais, registra-se também o maior envolvimento de órgãos do Sistema de Justiça como o Ministério Público e a Defensoria Pública, além da assessoria jurídica e advocacia populares, na área da defesa de direitos das pessoas em sofrimento mental. Nesse caso, vale destacar as experiências de assessoria jurídica popular universitárias nessa área no Brasil, que têm contribuído para a formação de estudantes e profissionais em direitos humanos e saúde mental, além de atuar em casos emblemáticos em torno do acesso ao direito e à justiça das pessoas em sofrimento mental.
Seguem links importantes sobre questões e referências acima citadas:
– Guia de Direitos Humanos Loucura Cidadã: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/ – Quality Rights: http://apps.who.int/iris/ * Entrevista concedida a Fábio Sena e publicada no Diário Conquistense em 10 de janeiro de 2016: http:// |
Este blog foi criado para ampliar e fortalecer a rede de atenção à pessoa em sofrimento mental e/ou transtorno mental, a partir do primeiro Seminário da RAPS Vila Maria/Guilherme
segunda-feira, 16 de janeiro de 2017
SAÚDE MENTAL: Gestores devem dialogar com usuários e familiares, diz pesquisadora*
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